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Questões polêmicas nas separações de fato

data

29 de setembro de 2023

categoria

Direito,

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A separação é uma realidade na vida de muitas pessoas e famílias. Casais, por variadas circunstâncias, separam-se e não raro deixam para formalizar o divórcio ou a dissolução de união estável, com a partilha de bens, no futuro. Essa prática, conquanto admitida pelo Código Civil (art. 1.581), pode gerar problemas para os envolvidos e para terceiros que com eles mantem relações jurídicas (filhos, novos companheiros, etc.).

No Brasil, a doutrina e a jurisprudência procuram extrair critérios resolver conflitos delicados diante da “separação de fato”. Este artigo abordará algumas orientações do STJ sobre o tema.

Um dos efeitos históricos mais importantes é a cessação do regime de bens vigente na união estável ou no casamento. O STJ considera que deve ser aplicada por analogia a regra do art. 1.576 do Código Civil, segundo a qual “a separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens”. A este respeito, concluiu o ministro Marco Aurélio Bellizze que “o raciocínio a ser empregado nas hipóteses em que encerrada a convivência more uxorio, mas ainda não decretado o divórcio, é o de que os bens adquiridos durante a separação de fato não são partilháveis com a decretação do divórcio”. (REsp n. 1.760.281/TO, 3. T. DJe: 31.5.2022).

Portanto, é importante que fique definida a data da efetiva separação de fato, pois ela servirá como base para a identificação e para a partilha do patrimônio comum. Uma alternativa interessante é a elaboração de escritura pública para se declarar a separação fática e, quiçá, alguns bens do acervo comum.

Para os casos em que a separação de fato persiste por anos, o STJ admite a “ação de exigir contas no período compreendido entre a separação de fato e a partilha, proposta pelo cônjuge que não administra o patrimônio em face daquele que o usufrui com exclusividade.” (REsp nº 1.924.501/SP, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe: 28.4.2022).

Complementa a relatora que “a legitimidade ativa para a ação de prestação de contas decorre do direito de um dos consortes obter informações acerca dos bens de sua propriedade, mas administrados pelo ex-cônjuge (gestor do patrimônio comum), durante o período compreendido entre a separação de fato e a partilha de bens da sociedade conjugal”. (AgInt no AREsp nº 1.725.324/DF, 3. T. DJe de 10/3/2021.)

Ainda no âmbito do direito de família, em julgamento muito delicado, o STF considerou presente na Constituição Federal o dever de monogamia e de fidelidade. Trata-se do Tema nº 529, cuja tese fixada no regime da repercussão geral foi a seguinte: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”. [ver nota de rodapé].

Nessa toada, o STJ reputa “inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que àquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento ou, ao menos, a existência de separação de fato, de modo que à simultaneidade de relações, nessa hipótese, dá-se o nome de concubinato”. (REsp nº 1.916.031/MG, 3. T., Rel. Min. Nancy Andrighi. DJe: 5.5.2022).

A posição das Cortes de Brasília é sintetizada pelo ministro Raul Araújo: “A jurisprudência do STJ e do STF é sólida em não reconhecer como união estável a relação concubinária não eventual, simultânea ao casamento, quando não estiver provada a separação de fato ou de direito do parceiro casado”. (AgRg no AREsp nº 748.452, 4. T. DJe: 7.3.2016).

Outro potencial efeito relevante da caracterização da separação de fato é o afastamento do direito à herança do cônjuge e do antigo companheiro (AgInt no AREsp nº 1.748.352/GO, 4. T., Rel. Min. Isabel Gallotti. DJe: 17.6.2021). Isso porque, de acordo com o art. 1830, do Código Civil, “somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.

Este tema específico gera intenso debate na doutrina, uma vez que, atualmente, se admite o divórcio direto, sem a necessidade de se aguardar dois anos de separação. Nessa linha, sustenta José Fernando Simão que a mera separação de fato já afastaria a condição de herdeiro do cônjuge (Código Civil Comentado. 4ª ed. São Paulo: Forense, p. 1.632).

Ainda mais delicada é a investigação da culpa, admitida pelo art. 1.830.

Esses e outros julgados permitem visualizar algumas das consequências jurídicas que brotam da separação fática dos casais.

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br

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