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O bullying na lei e na jurisprudência

data

17 de junho de 2022

categoria

Direito,

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Daniel Ustárroz – Professor da PUCRS | Doutor em Direito Civil (UFRGS) | Especialista em Resolução de Conflitos e Técnicas de Mediação (UCLM) | @danielustarroz

 

O importante fenômeno do “bullying” chama a atenção de diversas áreas do conhecimento. Profissionais de distintas especialidades vem colaborando para ajudar as pessoas, a partir de seus ângulos de estudo.

O presente artigo busca apresentar algumas projeções do Direito, para aqueles casos em que, infelizmente, o conflito não é prevenido, gerido ou resolvido de maneira adequada pela própria sociedade.

 

Inicialmente, no Brasil, há lei federal (13.185/2015) que conceitua o bullying, enquanto ato ilícito, como uma “intimidação sistemática”, a partir de “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas”.

 

Reflexões quanto à incidência de normas jurídicas quando acontece o Bullyng

 

Em primeiro lugar, destaco que, como regra, os pais respondem civilmente pelos atos dos filhos (art. 932, I, do Código Civil). E mais: o direito brasileiro aceita a responsabilidade civil subsidiária dos incapazes, “se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes” (art. 928, do Código Civil). Esses dois artigos são relevantes em casos que menores atuem para realizar o facilitar o bullying, especialmente no ambiente virtual (cyberbullying).

 

Saiba mais em: Cyberbullying e Direito ao Esquecimento – Profs. Ana Cristina Melo e Renata Abrão

 

Em segundo plano, temos uma peculiaridade no direito brasileiro quanto à responsabilidade civil das escolas, as quais podem ser demandadas especialmente por atos omissivos (falha na prevenção, detecção, tratamento, etc.). Isso porque a escola pública tem a sua responsabilidade precipuamente guiada pelo art. 37, §6º, da Constituição Federal (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”). Já as escolas privadas respondem consoante as regras de responsabilidade civil do Código de Defesa do Consumidor (art. 14, em especial) e do Código Civil (art. 932, IV).

 

Para ilustrar a situação das escolas públicas, destaco o dramático caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que condenou o Estado, pelo fato de que “a filha dos autores, à época com quatorze anos de idade, veio a falecer no interior da Escola Estadual, vítima de estrangulamento por outra colega de sala de aula, durante o horário escolar”. (TJRS, AC/RN 70082355561, 5. C.C., Rel. Des. Jorge André Pereira Gailhard, j. 15.04.2020).

 

Para ilustrar o ambiente da escola privada, seleciono caso em que não se comprovou omissão relevante no comportamento do educandário, de sorte que a ação foi improcedente: “não há, nos autos, nenhum indicativo mínimo de que a apelada tenha conhecimento da prática de bullying ou ciberbullying contra a autora e se mantido inerte (…)”. (TJRS, AC 70078975133, 9. C.C., Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, j. 28.11.2018).

 

Essa é uma característica comum: a falha na prestação do serviço educacional normalmente ocorre através de omissão. Portanto, a condenação do Estado ou do colégio privado demanda a consideração de suas iniciativas para prevenir o bullying no ambiente escolar e, principalmente, de sua inércia em detectá-lo e tratá-lo.

 

Ilustra essa posição caso julgado pelo TJRS, com as seguintes características: “restou demonstrada a falha do serviço educacional prestado pelo Estado, porquanto devidamente procurada a direção da escola pela aluna para noticiar bullying promovido por outros alunos, a instituição de ensino apenas chamou os responsáveis para uma conversa e promoveu uma reunião com as turmas do sexto ano a fim de esclarecer a conduta com relação ao próximo. 

 

Não houve qualquer acompanhamento da autora e de seus agressores a fim de verificar a cessação das agressões e como a vítima se sentia em relação aos fatos. Além disso, ao que tudo indica, uma das docentes ainda adotou medida constrangedora perante a aluna para verificar a veracidade dos boatos que estariam sendo espalhados pela escola”. (TJRS, AC 70078318532, 9. C. C., Rel. Des.  Carlos Eduardo Richinitti, j. 24.10.2018)

 

No mesmo sentido: “o conjunto probatório constante nos autos releva que a ré falhou no dever de cuidado que lhe cabia, decorrente do serviço educacional prestado, ao não ser capaz de adotar as providências necessárias (ferramentas pedagógicas investigativas e inibidoras adequadas) para que o autor, um de seus alunos, não sofresse agressões físicas, verbais e comportamentais de colegas (bullying) e, por conta disso, precisasse trocar de escola para voltar a ter um ambiente escolar saudável e desenvolvedor”. (…) (TJRS, AC 70072796303, 9. C.C. Rel. Des. Eugênio Facchini Neto, j. 28.06.2017).

Diante da relevância social do tema, não é de se estranhar que os casos estejam surgindo com frequência nos Tribunais. Neste breve artigo, tentei apontar alguns caminhos sugeridos pelo direito para o julgamento, quando fracassada a gestão adequada/possível do conflito pelas diversas pessoas envolvidas (a vítima, agressor, fomentador, testemunhas, pais de crianças e adolescentes, Estado, empresas, escolas e universidades, etc).

SOBRE O AUTOR

Doutor em Direito Civil (UFRGS). Professor da Escola de Direito (PUCRS). Instagram: @danielustarroz. Email: ustarroz@terra.com.br

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